Cirurgias suprapúbicas em mulheres e repercussões osteopáticas

Escrito por: Prof° Ft. Gustavo Felix Teixeira
Docente do IDOT

Dois autores franceses desenvolveram linhas de raciocínio que justificam o relacionamento de dores lombares em mulheres que foram submetidas a cirurgias suprapúbicas.

O primeiro autor, Jean Pierre Barral, descreve em seus trabalhos, movimentos e eixos de movimentos viscerais pertencentes a cada órgão. Para ele, o bom funcionamento dos órgãos está ligado à qualidade e quantidade de movimento que neles existem. (Barral & Mercier 2014).

Barral diz que qualquer alteração nesses movimentos podem gerar patologias locais ou à distância, no órgão ou em qualquer estrutura relacionada a ele, através de suas relações articulares, fasciais, vasculares ou nervosas. Chama então as alterações dos movimentos fisiológicos de “Patologias de Movimento” (Barral & Mercier 2014).

Dentre as Patologias de Movimento, encontramos a Restrição que é definida por “perda total ou parcial da capacidade de movimento de um órgão”, e a Adesão que é a “perda da capacidade de um órgão deslizar sobre outros órgãos ou estruturas vizinhas”. Dentre outras, cicatrizes pós-cirúrgicas e infecções (potenciais produtoras de cicatrizes) são causas para a ocorrência dessas Patologias de Movimento (Barral, 2006).

Sempre que uma membrana serosa é aberta, ela tende a se irritar, sofrer aderências e restrições que atrapalham os movimentos fisiológicos dos órgãos (Baral e Mercier, 2014). “As cicatrizes de cirurgias são como icebergs, que tem apenas 10{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} visível na superfície. Pense e investigue todos os níveis mais profundos que foram cortados e costurados juntos! Eles não tem o mesmo eixo ou direções do nível superficial” (Barral, 2006).

As inflamações e exsudações dos tecidos são muitas vezes oriundas de infecções, e causam micro ou macro adesões que afetam a elasticidade dos tecidos e problemas no líquido seroso. Os tecidos/órgãos não podem mais deslizar normalmente, e essas retrações do tecido cicatricial limitam a sua amplitude de movimento. Pontos de ancoramento patológicos causados pelas cicatrizes alteram os eixos de movimento dos órgãos, modificando seus movimentos e das estruturas vizinhas (Barral, 2006).

Essa primeira linha de raciocínio vem de encontro a um dos principais conceitos da osteopatia: o de hipomobilidade x hipermobilidade. (RICARD,2006). No caso, a hipomobilidade ficaria instalada na região onde acontece a cirurgia suprapúbica (órgãos e estruturas relacionadas) e a hipermobilidade na região da coluna lombar, gerando dor e degeneração desta  (Barral & Mercier, 2014 e Ricard, 2006).

Na segunda linha de raciocínio, Bernard Bricot descreve um padrão postural considerado normal. Esse padrão, em plano sagital, deve apresentar planos escapulares e das nádegas alinhados, com flechas lombares e cervicais com 4-6 cm e 6-8 cm respectivamente. Em vista frontal, a normalidade deve ser representada por linhas bipupilares, bitragais, bimamilares, biestiloidea e de cintura pélvica e escapular, todas alinhadas em um plano frontal. Por fim, num plano horizontal, não deveria haver rotações entre as nádegas nem entre os ombros. Quando um indivíduo apresentar o padrão postural normal, terá ausência de solicitações anormais e quase nunca refere dor (Bricot, 2010).

Porém, mais de 90{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} das pessoas apresentam desequilíbrios posturais em algum dos planos ou em mais de um. A presença desses desequilíbrios causa uma perturbação estática que é responsável por solicitações anormais em formas de compressão, tração, rotação, cisalhamento etc, sobre estruturas do sistema musculo esquelético (Bricot, 2010). Suas consequências são variadas e vão desde dores e bloqueios de movimento a degenerações e diminuição do desempenho em atletas (Bricot, 2010).

O plano escapular anterior (em vista sagital a escápula está anterior ao glúteo) é o desequilíbrio postural encontrado com maior frequência, e é responsável por uma série de solicitações anormais. Dentre elas, destaca-se uma grande força de compressão e translação anterior as quais são submetidas as últimas três vertebras lombares, podendo causar artroses e lombalgias. Três fatores podem determinar um plano escapular anterior: pés duplo componentes, aparelho mastigador e cicatrizes abdominais medianas anteriores (Bricot, 2010).

As chamadas cicatrizes patológicas podem desregular a postura através da sensibilização de exteroceptores cutâneos, sensíveis ao estiramento, provocando assim informações aferentes aberrantes que causam aumento do tônus muscular na tentativa de relaxar a pele. As cicatrizes anteriores patológicas provocam desequilíbrios anteriores do centro de gravidade – o plano escapular anterior (Bricot, 2010).

Abdominoplastia

A definição do termo abdominoplastia já se confunde com o termo lipoabdominoplastia.

Essa cirurgia é puramente estética, e tem por objetivo reduzir a flacidez, o excesso de pele e a gordura do abdome inferior, melhorando as curvas, cintura e relevo do abdome. Esses excessos são oriundos do sedentarismo, alterações de peso, pós-gravidez e idade avançada. Esses fatores podem também contribuir para o afastamento da musculatura abdominal, que é reaproximada e unida nesta cirurgia. Atualmente as cirurgias preservam a circulação linfática, vascular e sensitiva e os tecidos conectivos da região envolvida. (Amorim e Amorim, 2012, Alexandre, 2009, Almeida e Almeida, 2008, Jatene et al, 2005).

As mulheres parecem ser o maior público alvo desse tipo de cirurgia.

Alexandre em 2009 publicou um trabalho no qual analisa 50 abdominoplastias.  Em 2008, Almeida e Almeida em estudo retrospectivo, analisaram 288 abdominoplastias.  Amorim e Amorim em 2012 analisaram 162 abdominoplastias. Nesses três estudos todas cirurgias haviam sido realizadas em mulheres. Outro trabalho revisou 424 abdominoplastias, sendo que 413 eram do sexo feminino (Jatene et al, 2005).

O procedimento cirúrgico consiste basicamente na lipoaspiração das regiões indicadas (abdome inferior e superior, flancos e dorso), depois incisão da pele na região suprapúbica entre as EIAS e descolamento do retalho na região infra-umbilical, seguida de  liberação da cicatriz umbilical e descolamento supra-umbilical até o apêndice xifoide. Após isso os ventres do músculo reto abdominal são aproximados, o umbigo é reposicionado na aponeurose, os excessos de pele são retirados e o retalho é aproximado e suturado à região suprapúbica (Amorim e Amorim, 2012, Alexandre, 2009,  Almeida e Almeida, 2008, Jatene et al, 2005).

Operação cesariana

A cesariana é a cirurgia em que se abre o abdome e a parede do útero para retirar o ser lá desenvolvido (Resende, 1998). É o procedimento cirúrgico mais comum realizado nos EUA (Berek, 2008)

O procedimento cirúrgico consiste em incisão transversal da pele e de tecido subcutâneo 1 ou 2 cm acima do púbis. . Essa abertura tem entre 10-12 cm. A aponeurose também é cortada na transversal e descolada do reto abdominal. O reto tem seus dois ventres separados na vertical, em direção ao umbigo e até a sínfise, com um corte de 8-10 cm. São divulsionados e logo abaixo o peritônio parietal é aberto no sentido vertical, para se evitar a enterotomia. A bexiga é afastada para baixo e a massa intestinal para cima. Chega-se então ao peritônio visceral que é cortado na transversal na altura da prega vesico uterina e descolado do útero. Após isso a histerotomia é feita com uma pinça fechada na região do segmento, e o útero é divulsionado com os dedos. Essa forma de proceder diminui fibroses e corta menos fibras do útero. O bebê é retirado.

A histerorrafia é feita com fios cromados na camada externa, tentando preservar a parede interna do útero. Na sequência o peritônio visceral e parietal são fechados. O peritônio cicatriza em aproximadamente 24 horas e não necessita de grande fixação. Alguns autores até defendem que ele não seja costurado. Os ventres dos retos são aproximados em uma forte costura. Aponeurose, fascia superficial e pele são costurados (Resende, 1998).

Histerectomia abdominal

A histerectomia é uma cirurgia que consiste na retirada do útero. É o segundo procedimento cirúrgico mais comum dos EUA, após a cesariana. Cerca de 75{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} das histerectomias realizadas são abdominais, e estima-se que em 2005, 824.000 mulheres americanas tenham passado por essa conduta (Berek, 2008).

Os leiomiomas uterinos são a maior causa de indicação para a realização da histerectomia. Hemorragias disfuncionais uterinas, dismenorreias intratáveis e prolapso genital são também, entre outras, grandes causas de indicação para a cirurgia (Berek, 2008).

O procedimento cirúrgico consiste em incisões transversais da pele, tecido subcutâneo e fáscia. O peritônio parietal é aberto verticalmente para evitar a enterotomia. Após isso, o útero é elevado através dos ligamentos largos.  O ligamento redondo é então seccionado, assim como a porção anterior do ligamento largo, na altura da prega vesico uterina, separando então o útero da bexiga. A tuba uterina e o ligamento útero ovárico são seccionados e costurados. Na sequência, é feita o afastamento da bexiga em relação ao útero e a parte anterior do colo do útero é seccionada. Faz-se uma tração cefálica do útero e sua rede vascular é dissecada. Incisuras são feitas na região do peritônio posterior ao útero, entre os ligamentos uterossacros. Agora o útero já está livre do reto. Por fim, os ligamentos cardinais também são seccionados. Realiza-se uma tração cefálica do útero e um corte com tesoura o separa da vagina. (Berek, 2008).

Os ligamentos uterossacros e cardinais são costurados ao terço superior da vagina quando esta é fechada no final da cirurgia para impedir o prolapso da mesma. O peritônio é fechado com fios absorvíveis, assim como a fáscia. O tecido subcutâneo é costurado com fios finos para a contenção de sangramento e a pele é costurada com pontos intradérmicos sintéticos (Berek, 2008).

Discussão

Após essas cirurgias, é possível que se encontrem alterações posturais de plano escapular anterior e/ou Patologias de Movimentos dos órgãos e estruturas pertencentes aos órgãos.

Na cesariana o espaço vesico-uterino é uma região onde há possibilidade de criação de aderências ou fibroses. A região anterior do útero (chamada de segmento) é seccionada para a retirada do bebê. Após as suturas do útero, o sangue ali acumulado favorece a formação dessas hipomobilidades.

Na histerectomia, existe a possibilidade da criação de aderências nas regiões dos ligamentos uterossacros e ligamentos cardinais, já que são suturados à cúpula da vagina. Tensões sobre essas estruturas podem gerar alterações de movimentos nos sacro e nos ilíacos respectivamente e consequentemente uma hipermobilidade nas vértebras lombares inferiores.

Nessas duas cirurgias, onde o peritônio é aberto e suturado, há a possibilidade de aderência entre o peritônio e alguma alça do intestino delgado, caso a sutura não seja muito bem executada.

Nas abdominoplastias, grande perda de mobilidade pode ocorrer entre os ventres do músculo reto do abdome devido a forte sutura que é feita para uni-los. A parede abdominal anterior, no geral fica com possibilidades da criação de aderências devido ao processo inflamatório que se cria na região após a retirada do tecido subcutâneo.

Além dessas regiões específicas, as Patologias de Movimento podem ocorrer em qualquer outro tecido que tenha sido cortado e costurado ou que circunde esses tecidos. Os processos infamatórios que surgem na região favorecem esse tipo de ocorrência (Barral, 2006, Barral 2014).

A idéia de Barral ganha força se unir a ela trabalhos de revisão de cirurgias de abdominoplastia, nos quais os autores analisaram índices de complicações do pós operatório. Jatene et al, 2005 afirmam  que o seroma foi a complicação mais frequente, no pós operatório de abdominoplastias,  ocorrendo em 8{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} dos casos, de um total de 424 pacientes. Amorim e Amorim ,2012 encontraram seroma pós operatório em 9,3{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} dos casos e cicatrizes hipertróficas pós operatória em 19,1{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} dos casos, de um total de 162 pacientes. Alexandre, 2009 em trabalho de experiência pessoal também identificou seroma em 15{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} de seus pacientes no pós operatório. Almeida e Almeida, 2008 relatou seroma em 4,1{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} de seus 288 casos.

Das cirurgias descritas, todas podem criar uma alteração postural pelo mecanismo descrito por Bricot. Além disso, a abdominoplastia retira um importante pedaço da pele infraumbilical do paciente e alonga bastante a pele remanescente, podendo gerar uma tensão que favoreça o plano escapular anterior. Nesse tipo de cirurgia, é comum a orientação para a paciente deambular com flexão de tronco e manter a posição de fowler no repouso por até 7 dias (Amorim e Amorim, 2012). Essas atitudes favorecem a cicatrização da sutura suprapúbica  e provavelmente levem a paciente ao plano escapular anterior.

Conclusão

Portanto, essas três cirurgias realizadas na região suprapúbica podem estar diretamente relacionadas com lombalgias em mulheres.

BIBLIOGRAFIA

  • Almeida, E.G., Genês Lopes de Almeida Júnior. Abdominoplastia: estudo retrospectivo. Revista Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, 2008; 23(1): 1-10.
  • Alexandre, W. Abdominoplastia com retirada da camada lamelar supra-umbilical. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 2009; 24(3): 336-44.
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  • Barral, J.P., Mercier, P. Manipulação Visceral I. 1 edição. Teresópolis: Editora Upledger Brasil, 2014.
  • Barral, J.P. Urogenital Manipulation. Seattle: Editora Eastland Press, 2006.
  • Berek, J. S. Tratado de ginecologia. 14 edição.  Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
  • Jatene, P.R.S., Jatene, M.C.V., Barbosa, A.L.M. Abdominoplastia: experiência clínica, complicações e revisão de literatura. Revista Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, 2005; 20(2): 65-71.
  • Rezende, J. Obstetrícia. 8 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
  • Ricard, F. Tratamento osteopático das lombalgias e ciáticas. 1edição. Editora Atlântica: Rio de Janeiro 2006.

Veja também